POESIA MUNDIAL EM PORTUGUÊS
Foto por Vardi Kahana, na Wikipedia
CHAIM GURI
(1923?-2018)
Haim Guri ou Chaim Guri como aparece na revista Poesia Sempre n. 8, em 1997. Nome e sobrenome “traduzidos” do hebreu... Na Wikipedia aparece, em inglês, como Haim Guri... Assim aparece na referida revista:
Nasceu em 1922, em Tel-Aviv, de uma família de pioneiros sionistas-socialistas e educou-se numa escola agrícola. Serviu no Palmach (grupo militar da facção pioneira-socialista) e na Haganá (grupo militar “oficial” da coletividade judaica), tendo participado da guerra da independência de Israel. Estudou na Universidade Hebraica de Jerusalém e na Sorbonne. Seus poemas, publicados a partir da Segunda Guerra Mundial, foram considerados a mais destacada expressão poética desse período-chave da história de Israel.
Extraído de
POESIA SEMPRE – Ano 5 – Número 8 – Junho 1997. Revista semestral de poesia. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Ministério da Cultura, Departamento Nacional de Livro. Editor Geral: Antonio Carlos Secchin. Ex. bibl. Antonio Miranda.
Odisseu
E ao voltar à cidade natal encontrou um mar
e peixes diversos e grama brotando sobre as ondas lentas
e um sol enfraquecendo-se nas bordas do céu.
Um erro é sempre recorrente, disse Odisseu no seu coração cansado
e retornou à encruzilhada próxima à cidade vizinha
para encontrar o caminho de sua cidade natal, que não era água.
Um caminhante cansado como um sonhador e muito saudoso
entre pessoas que falavam um grego diferente.
As palavras que levara como provisão para o caminho de viagens
pereceram entrementes.
Por um momento pensou que adormecera por muitos dias
e voltara a encontrar pessoas que não se assombravam ao vê-lo
e não arregalaram os olhos.
Ele perguntou-lhes por gestos e eles tentaram compreendê-lo
a distância.
A púrpura tornou-se violeta e subia nas bordas daquele mesmo céu.
Ergueram-se os mais velhos e tomaram as crianças que o rodeavam
e puxaram-nas.
E luz após luz amarelou em casa após casa.
Veio o orvalho e desceu sobre a cabeça.
Veio o vento e beijou-lhe os lábios.
Veio a água e banhou-lhe os pés como a velha Euricléia
e não viram a cicatriz e desceram o declive, como a água.
Tradução de Nancy Rozenchan
Como Beirute
Fui como Beirute
feito de diferente do igual
e do contrário do absoluto.
Céu pede misericórdia
também por mim.
Ouvi os que me dizem que isto é uma riqueza guardada por mim,
que a vida é mais interessante nestas ruas infectadas,
no labirinto dos perdões do meu subconsciente.
Ali as milícias rivais, desde Hay A-sulum até Ashsrafiya,
ganharam-me até a última gota de sangue
na felicidade dos que crêem.
Pois foi o combate da região construída
observando, a meia face, dos andares superiores
divido em regiões de ninguém, atento como um alerta intenso
prolongado
uma promessa fuliginosa: ainda um pouco mais.
E assim ouvi que dos inversos das almas ergue-se a força oculta
que principalmente faz coisas bonitas.
Eis mais uma mulher de preto, muito bonita, as mãos na cabeça,
chora em mim aos pés da casa
diz num inglês inarticulado algo aos repórteres.
Eu, como Beirute, sirvo outros deuses
meio destruído.
Caminho e vou silenciando, caminho e vou ficando cinzento,
e não há em mim nenhum sinal de cessar-fogo, de uma breve trégua
para o descanso dos franco-atiradores.
1994
Tradução de Nancy Rozenchan
Legado
O carneiro veio por último
e Abraão não soube que ele
respondia à pergunta do menino,
primeiro de seu vigor quando envelhecia.
Ergueu a cabeça encanecida
ao ver que não sonhava um sonhos
e que o anjo ali estava —
caiu o cutelo de sua mão.
O menino liberado das amarras
viu as costas do pai.
Isaac, como diz a historia,
não foi sacrificado.
Viveu muitos dias,
viu coisas boas, até que a luz de seus olhos escureceu.
Mas legou aquela hora aos seus descendentes.
Eles nascem
com o cutelo no coração.
Tradução de Nancy Rozenchan
A mãe
Há muitos anos, no fim do cântico de Débora,
ouvi o carro silencioso de Sisara que tardava em chegar.
Via a mãe de Sisara olhando na janela,
u´a mulher com mechas de prata no cabelo.
Uma policromia bordada,
estofos bordados para os pescoços dos preso,
viam as donzelas,
justamente quando ele jazia na tenda como que adormecido,
com mãos inteiramente vazias.
Na barba, um rastro de leite, manteiga e sangue.
Cavalos e carros não romperam o silêncio,
as donzelas calaram-se uma a uma.
Tocavam-se meu silêncio e o seu.
Pouco depois, o sol se pôs.
Pouco depois apagou-se o crepúsculo.
Quarenta anos esteve em paz a terra. Quarenta anos
não golpearam os cavalos, não cravaram
cavaleiros mortos olhos vitrificados.
Mas ela morreu, pouco depois da morte do filho.
Tradução de Nancy Rozenchan
Página publicada em março de 2018
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